Introdução
Este artigo toma como base o depoimento de Leopoldo Gomes (Amigo n.º 14), mas comporta também informações variadas de outros garotos, contemporâneos de Frei Cosme, por via de relatos esparsos ou comentários curtos, recolhidos pelo Blog.
Assim, através da personalidade síntese do menino Leopoldo, convertido em símbolo, este site presta homenagem a todos os componentes dos bandos de pequeninos seguidores do Frei do Valongo, pelos Morros de São Bento, do Pacheco, da Penha…
Personagem
Se você frequenta as missas de domingo no Santuário de Santo Antônio do Valongo, em Santos, certamente já o conhece. Caso seja, apenas, visitante bissexto da igreja, seguramente se lembrará ou logo perceberá de quem se trata.
Habitualmente, ele fica logo na entrada principal do santuário, sentado atrás de pequena mesa onde, pacientemente, toma nota de nomes e intenções para a Santa Missa. Corpulento, vigoroso para os 76 anos declarados, Leopoldo Gomes exibe todo o tempo, com grande satisfação, pendurado sobre o peito, seu distintivo, o tau franciscano. Muita gente chega a pensar que é um dos frades do santuário.
Na realidade, esse senhor de presença marcante é, agora, um dos Irmãos da Ordem Franciscana Secular do Valongo, a antiga Ordem Terceira. Sua longa trajetória de vida, no entanto, sempre se entrelaçou com o templo multisecular do Valongo, em especial com um de seus freis, amigo destacado nas primeiras horas da idade da razão, na longínqua infância.
História
Leopoldo Gomes nasceu e se criou no Morro de São Bento.
Pelas mãos da mãe, frequentadora assídua da igreja, conheceu Frei Cosme aos 7 anos e com ele estudou o catecismo. O frei chegou a convidá-lo para ser coroinha, mas o pequerrucho, confuso, não se animou.
Leopoldo, portanto, não foi um dos incontáveis coroinhas que o sacerdote recrutou. Tampouco um dos numerosos candidatos ao ingresso nos seminários franciscanos. Menos ainda, militante da Legião de Maria.
Foi apenas um, do bando de garotos que costumavam acompanhar Frei Cosme em suas andanças apostólicas pelo Morro de São Bento. Essas crianças eram atraídas com natural facilidade pelo bondoso franciscano e o grupo ia crescendo, na proporção do tempo e da distância.
As conversas com a meninada eram carinhosas, comunicativas e calavam fundo nas cabecinhas, em seus primeiros raciocínios. Às vezes ocorriam discordâncias, principalmente na distribuição dos disputados santinhos, insuficientes para tantos interessados, mas, para alegria geral também havia frequentes momentos de relaxamento. Isso ocorria nos mesmos locais ou casas visitadas, quando se repartiam guloseimas caseiras, limonadas, até um guaraná geladinho, para amenizar os efeitos dos calorentos verões santistas.
O pequeno Leopoldo, observador atento dos costumes metódicos do popular padre, antecipava-se a ele, bem como aos possíveis companheiros, no sopé do morro ou indo até a igreja, para esperá-lo. Assim tinha o privilégio de ser um dos primeiros, na formação dos séquitos que percorriam os familiares becos do Morro de São Bento e adjacências.
Leopoldo gostava da proximidade de Frei Cosme, de subir as íngremes escadarias lado a lado, acompanhá-lo nas visitas às casas, aos doentes, de ouvir histórias, receber orientações, fazer perguntas…
Lembra de como, por vezes, as jornadas do sacerdote eram sofridas, quando ele tinha que deslocar o físico avantajado, em meio às periódicas crises de asma que o acometiam. Por momentos ele parava cansado, tentando buscar ar, antes de balbuciar algo com a pronúncia gutural de alemão, para, de novo, retomar a jornada apostolar a cumprir.
As recordações desses momentos são tão intensas que, o Leopoldo de hoje, ainda consegue imitar o sotaque, com perfeição, repetindo alguns breves conselhos dados por Frei Cosme, naquela época… Aliás outro detalhe, repetido com propriedade de quem foi camarada próximos nas caminhadas, é o som expressado como um “nhec-nhec“, oriundo das típicas sandálias franciscanas, usadas pelo frade.
Nova pausa no relato, as lembranças voltam a aflorar e, Leopoldo, emocionado, divaga sobre ele mesmo, em meio ao bando de moleques cujos nomes já esqueceu, no Morro de São Bento, alegres, felizes, em torno do amigo que lhe deixou tantas saudades e boas lições de vida.
Leopoldo Gomes |
Fiquei comovido em verificar o relato de meu querido pai, Leopoldo Gomes, sobre sua visão e convivência na infância com o Frei Cosme, cujos ensinamentos certamente foram decisivos na formação do seu caráter, do qual, aliás, muito aprendi e tenho enorme orgulho.